sexta-feira, setembro 30, 2005

grevas

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As grevas eram uma espécie de ligadura feita de um tecido quente, tal como a lã. Mas eu já vi um exemplar de grevas em burel, que, além de fornecer calor, é um tecido bastante resistente. Quando eu era criança brincava com uma grevas que o meu pai tinha herdado de um tio dele, o João. Tinham por função proteger as pernas e facilitar os movimentos, sem que as calças se prendessem a elementos acidentais, como ramagens ou mato. Outra função das grevas era o aquecimento das pernas entre o tornozelo e o joelho onde se prendiam com um atilho. O aquecimento dessa zona do corpo é muito importante para a circulação em geral, aumentando a resistência às intempéries. Além dos soldados, sobretudo na 1ª guerra mundial, os caçadores também usavam grevas (Aquilino Ribeiro aparece em fotografias com grevas e caçadeira ao ombro). Os militares de patente superior calçavam antes botas de cano alto.

O soldado da imagem é do tempo da 1ª guerra. Talvez tivesse tirado o retrato para nos por a pensar sobre o funcionamento destas coisas ao lado de um coluna com begónias.

quinta-feira, setembro 29, 2005

sonho de amor

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Neste postal, os modelos concentram-se no acto de olhar, ignorando a câmara. Exprimem um desejo inatingível, numa certa tensão da pose, como num sonho. (O encantamento do amor é um processo tão primário como o sonho.)
Ao contrário de muitos postais da mesma época, neste pode ver-se um esboço de movimento: da parte dela, ao oferecer-lhe a face; da parte dele, ao aproximar-se, fazendo menção de abrir os braços para a beijar. Tudo isto parece acontecer depois de ele lhe ter oferecido as rosas que permanecem pousadas no canapé.

Há uma intimidade iluminada pela artificialidade da luz do candeeiro rosa-pálido. A mesma palidez romântica fica centrada no tom azul do vestido dela que - por economia de meios técnicos - alterna com o mesmo tom rosa do candeeiro. Uma proposta de felicidade azul e cor-de-rosa rodeada pela imprevisível escuridão que integra o sonho:

Dans un rêve, j’ai vu votre lointaine image me sourire et passer comme un heureux présage.
(legenda na base do postal)

terça-feira, setembro 27, 2005

Grandes Mistérios – Grandes Aventuras

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(Edição Romano Torres, 1949)


Esta capa deve ser apreciada na sua qualidade gráfica.

a cor:
o jogo sintético de azuis que envolvem um mistério.

o contra-luz :
o contraste claro-escuro. É de realçar a luz sobre o braço e perna esquerda da mulher. A sombra que parte do sapato, e da mesa, bem como das costas do sofá, mostram um fim de tarde (muito mais provável do que um princípio de dia) que sugere um ambiente melancólico. De notar também a sensação de profundidade da sala que nos é transmitida à custa do prolongamento das sombras na base.

aspectos da composição da imagem:
se omitirmos o braço direito sobre a mesa, o quadro perde o equilíbrio que é dado também pela ascensão do fumo do cigarro, contraponto do movimento descendente de todo o corpo (mão esquerda incluída).


Se nos conseguirmos imaginar naquele ambiente, o designer (o capista...) conseguiu aquilo que queria e o editor vendeu. A impressão da capa não parece ter sido cara, são apenas duas cores. Mas bem jogadas.

sexta-feira, setembro 23, 2005

como funciona?

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As medidas deste objecto são, aproximadamente, 6x5x10 cm. Não sei para que serve. Intrigou-me o cilindro branco, parece um tambor de um revólver com quatro buracos. Depois há aquela zona de corte. Para cortar o quê? Levará papel à volta do rolo? Não me parece uma máquina de fazer cigarros, embora tenha esse aspecto. O rolo gira a grande velocidade se lhe dermos lanço. E a tampa? A caixa é em baquelite. Ofereceram-me este aparelho.
Às vezes temos as coisas e não sabemos como funcionam. O pior é que nem sequer sabemos para que servem. Se soubéssemos poderíamos deduzir o seu funcionamento. Interessante a valer era termos um aparelho que funcionasse sem servir para nada.
Também se tem escrito muito sobre a “utilidade do verso”, ou das coisas escritas que são bonitas sem servir para nada. É a velha questão da “arte pela arte”. Ou das coisas só para entreter e passar tempo. No cancioneiro de Garcia de Resende, havia as “Cousas de folgar e gentilezas”. Para entreter a corte.

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quinta-feira, setembro 22, 2005

estação suspensa

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Descobrimos as aves escondidas num jardim de barro. Recebem imagens dos corpos submissos. Se não fosse a estação suspensa, a secura da manhã na boca, talvez as mãos tocassem o sol no resto das manhãs feitas de seda ou na fantástica visão que se anuncia.

segunda-feira, setembro 19, 2005

inquietação

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separador

Um separador é um elemento feito de uma substância diferente daquilo para o qual é destinado separar. Por exemplo, um período de música pode separar o interior de um texto oral – é o que acontece nos programas de rádio, quando é necessário separar certos momentos de um discurso. Mesmo dentro da mesma substância podem existir elementos de natureza diferente, com função separadora, quando imagens separam imagens em planos de corte. São estes alguns dos separadores intencionais.
Este mesmo texto tem uma função separadora em relação à imagem dos manequins que por aqui têm sido colocados. Caso contrário, aparecia um manequim a seguir ao outro e isso reduzia a força de uma imagem, porque ela se poderia misturar com a outra e não haveria um espaço de respiração para cada uma delas.
Descobre-se, assim, que podemos controlar a respiração dos manequins.

sábado, setembro 17, 2005

serenidade

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rotina

A oscilação dos toldos com o vento anuncia a manhã.
A rotina são os ponteiros do relógio de museu,
ainda que se digitem as palavras sobre a tarde
e se prolonguem pela terra
até atingirem o mais íntimo do corpo.

quinta-feira, setembro 15, 2005

melancolia

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funcionamento de um peralta tolentínico de hoje

Agarra no gin tónico, a mão branquinha,
depois de dormitar um dia inteiro
à espera da happy hour ao fim da tarde
que o faça passar por ter dinheiro

sem comer quase nada todo o dia,
apenas um chá apodrecido,
que parco é o dinheiro e a preguiça muita
para quem não aceita ser esquecido

é que ele quer mostrar-se muito in
na foto-vernissage que mal vê
tilintando o gin tónico em punho
falando da política que lê

descuidado no estilo estudadíssimo
muito maldizente este peralta,
que desencantada fome engole
por causa do trabalho que lhe falta

dias passados sem sair de casa
para não gastar o dinheiro amealhado
para o tinto da marca que ostenta,
quanto ele faz a pelintrar, coitado,

exibe circunstância, e sabe estar
com os autores que escrevem poeminhas
só de três linhas, haikus
que mal preenchem o papel e as vidinhas.

Lá vai o peralta de gin tónico
só para aparecer na coluna de um jornal
janta à pala de outros, hoje e sempre
(só digo hoje porque o dia correu mal.)

quarta-feira, setembro 14, 2005

calculismo

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segunda-feira, setembro 12, 2005

cadeiras

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Respiro o sol da mesma maneira que olho as cadeiras à volta do mar, com um resto de luz na fundura dos olhos, um traço repetido sobre a pele. Se não fosse o corpo escondido quando as aves passam, podia experimentar a praia com as palavras. Mas é tempo para que o corpo se divida e se multipliquem as células, até se tornarem invisíveis nos objectos de mármore, nos bibelôs dos dias.
excerto de "estação suspensa"

sábado, setembro 10, 2005

comércios da degradação na cidade

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Parece que a baixa do Porto ficou à venda. A rua 31 de Janeiro está com um aspecto desolador. E não há quem lhe valha. O comércio que animava a rua foi vítima do shopping. E do chopping. E também do Xo Ping, um chinês que abria lojas nas ruas do comércio tradicional.

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No entanto, alguns bonecos ficam à espera que lhes comprem a lingerie.
Depois, cada um exibe o que quer.

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Porto, rua de Santo Ildefonso- exposição I

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Porto rua de santo Ildefonso – exposição II

segunda-feira, setembro 05, 2005

água livre

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Se eu quisesse de novo escrever sobre o tema inutilia truncat (corta as coisas inúteis) podia colocar esta fotografia do Aqueduto das Águas Livres. Pela essencialidade, pela economia de meios, pela determinação do seu desenho.
Aqui, ao fim da tarde, o equilíbrio da forma apazigua o olhar. Porque a forma também é um conteúdo. Porque esta forma se recorta no céu limpo como um templo grego se recorta num céu mediterrânico. Sem as ambiguidades dos céus nebulosos do norte romântico. Na justa medida.

sábado, setembro 03, 2005

ÁGUA

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Eles hão-de lá ir


Ali está a água a sair, às golfadas. Dirijo-me à Telepizza situada ao lado daquele desperdício. Manifesto aos jovens funcionários a minha raiva, o meu desgosto. Sim, sim, já telefonaram três vezes para a EPAL. Depois vou eu ao telefone, número grátis 800 201 200.

- Epal, boa tarde, fala a ...., (nunca me lembro dos nomes das pessoas que se apresentam num ritual normativo) em que posso ser útil?
- Olhe, a ruptura, ali a água a perder-se, numa altura destas (ameaço com a divulgação desta situação)
- Já avisei o piquete, vou avisá-los outra vez para lhes lembrar – responde ela num tom indiferente.

Volto à Telepizza e dizem-me que aquela sangria dura desde o meio-dia. Já são seis da tarde. Ligo novamente para o número verde, agora do telemóvel. O número não tem acesso por esta via, diz a gravação. Procuro uma cabine telefónica. Não há. A água continua a sair. Não perco mais tempo, tenho umas voltas a dar, esqueço a água por algum tempo. Eles hão-de lá ir, afinal aquilo é fácil e rápido. Eles hão-de lá ir.

quinta-feira, setembro 01, 2005

memória

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Correio do Medo

Esta série é constituída por trabalhos de composição e colagem de notícias sobre o massacre de crianças na escola de Beslan (Rússia) publicadas no jornal “Corriere Della Sera” (Milão), a 4 de Setembro de 2004. Contem ainda algumas alusões ao terrorismo planetário.