terça-feira, fevereiro 09, 2021

 

POEIRA ESCURA, de Amadeu Baptista, é uma espaço de luminosidade e lucidez poética, da sua vivência pessoal traduzida nos sonetos que trabalha como lenhador que escacha a madeira do poema. Este livro, afinal a metáfora que nasce logo no segundo verso «meto-me a lenhador na tarde densa» é o percurso continuado da realidade que constrói ao longo da sua obra. É o confronto com a realidade pandémica que nos envolve, pano de fundo deste livro, e que vai muito além das viroses e da poesia de circunstância. Porque não é fácil, nos dias de hoje, escrever negando a evidência, «este pretérito imperfeito que não se saberá como no futuro conjugar». E Amadeu não quer viver nas «águas negras e silêncio», como diz num verso. Esta poesia, apenas escura na aparência da poeira, mergulha no brilho da corrente contínua da sua obra, coerente e identitária: a denúncia do absurdo, da arbitrariedade que remonta à infância (evocação da ausência de Mãe, primeiro verso do livro).

POEIRA ESCURA é um exercício activo da solidão, onde todavia sobressai a crença de que «Tem de haver um momento em que a esperança/Volte e o terror se vença.»

Não sei porquê, veio-me à ideia um verso seu de 1985:

«A ave da luz na manhã incorrupta»