sexta-feira, abril 24, 2009

O autor da fotografia do menino com o cravo na G3

chama-se Sérgio Guimarães e morreu relativamenmte novo, em 1986. Era fotógrafo, sobretudo de publicidade, mas também fez outras fotografias com outros destinos, nomeadamente para certos livros que editou - As Paredes da Revolução, Diário de uma Revolução, O 25 de Abril visto pelas crianças.

Orgulhava-se de ser filiado no Partido Comunista e, quando viveu em Paris nos anos sessenta, onde trabalhou para a Elle, terá ficado sem o dedo mínimo da mão esquerda, por razões que só ele sabia. Aí frequentou o atelier de Fernand Léger.

Dizia-me que tinha ganho algum dinheiro com essa fotografia reproduzida em vários países, mas depois perdeu o controle, apesar das suas dificuldades económicas.

Perguntei-lhe como a tinha a feito e lembro-me de ele me contar que, no dia 25, pegou no filho do Pedro Bandeira Freire, que na altura teria dois ou três anos, e foi com ele ao aerporto da Portela para fazer a célebre fotografia. Pediu a três soldados da Marinha da Força Aérea e do Exército para segurarem na arma, e click com a Nickon.
«Parece que o miúdo está a colocar o cravo na G3, mas não, ele está esticado para tirar o cravo que eu lá pus em cima»- contou-me.
Era natural do Porto, onde foi conhecido em certo meio da sua juventude. Cá em Lisboa trabalhou com o empresário Vasco Morgado, o dos teatros, e parava muito pelo Parque Mayer. Mas sobretudo adorava o café-restaurante Monte Carlo, no Saldanha, onde reclamava quase sempre o bife. Conhecia muita gente ligada aos meios artísticos, uma vez apresentou-me o pintor Manuel Lima, no Monte Carlo. Cheguei a ver o Herberto Helder numa das muitas casas que habitou e dizia que o Luiz Pacheco era o maior escritor português. De facto, o Luiz Pacheco referiu-se a ele numa das suas entrevistas (JL), como tendo sido depositário de material escrito seu.

segunda-feira, abril 20, 2009

a maior zaragata de todos os tempos

«Chegou uma esquadra», disse Austin, «e aqueles a quem chamavam os camones invadiram a cidade, tingindo-a com a brancura das suas fardas. (…)
…o Pé de Cabra foi de cabeça contra a parede e até fez eco, abriram-me a cabeça, dizia ele, abriram-me a cabeça, o que, segundo Molero, devia ser por demais evidente, o Peito Rente foi chutado com efeito para a tipografia do Celestino, deu duas voltas lá dentro fazendo parar as máquinas que estavam a trabalhar e pondo a funcionar as máquinas que estavam paradas, alguém tinha espetado uma faca na barriga do Lucas Pireza, talvez um camone, de certeza que foi um camone, diria mais tarde o Zuca, os camones são uns naifistas do caneco, garantia ele, o Lucas Pireza segurava os intestinos com as mãos, falava baixinho para eles, parecia rezar, os camones iam e vinham, espartanos, segundo Molero, até à medula, a certa altura, numa ressaca, levaram com eles, pelo ar, o Metro e Meio, o Ângelo tinha-os juntado a todos num molhinho, enfeitou-os com o Metro e Meio, e vai disto, tudo pelo ar, rumo ao Marocas Papa-Milhas, que tinha uma motocicleta cheia de cromados e a mania das curvas rápidas, já tinha atropelado três gatos e duas pessoas, ia a fazer uma bela curva naquele momento, foi contemplado com a colecção de camones coroada com o Metro e Meio, despistou-se, disse foda-se, foda-se, subiu o passeio, virou de pantanas o mostruário do Raul Pechisbeque, choveram colares de vidro, pulseiras, broches e anéis, o Marocas continuou em prova, descontrolado e tudo, devolveu para dentro de casa o berço que a Gertrudes tinha colocado à porta com o bebé, atravessou a rua aos ziguezagues, embateu na caixa da criação da Mafalda Capoeira e terminou a prova contra o balcão da carvoaria do Galego, lançando o pânico nos elementos do Grupo Excursionista Moscatel, que estavam a beber o seu meio litro da praxe, enquanto as pessoas assobiavam alvoroçadamente às janelas, as mulheres gritavam, o bebé da Gertrudes, que era o melhor pulmão lá do bairro, berrava como nunca, o papagaio do Pimentel, que tinha caído do poleiro e dançava suspenso na correia de metal, esganiçava a sua expressão favorita, ó da guarda, ó da guarda, muitíssimo apropriada, segundo Molero, às circunstâncias, o fox-terrier do Silva Farmacêutico filava um camone pelo fundilho da s calças e fazia questão de não o largar, as galinhas da Mafalda Capoeira corriam espavoridas num cacarejar infernal e num dilúvio de penas, o burro do Hipólito zurrava, os gatos da Dona Maria Bicahroco miavam e pulavam, o Alsácia do Tó Peneiras ladrava com aquela fúria só dele, camones entravam por aqui, ex-Malhoas saíam por acolá, às vezes dava certo, parecia que o Ângelo tinha controle sobre a confusão, à distância, o Zuca diria mais tarde que, tirando algumas partes cómicas que pareciam à Charlot, aquilo tinha sido uma coisa iglantónica, o Ângelo era igualzinho a um tal Lone Ranger, só lhe faltava a mascarilha». Houve uma pausa. «O rapaz assistiu a tudo isto dentro da mercearia do João Azeiteiro, atrás de um saco de feijão, atónito perante aquilo que Molero denomina o maior fogo-de-artifício de que há memória em matéria de pancadaria, a balbúrdia plena, o filme de trinta e uma partes em carne viva, o real que se sobrepõe ao mítico, sonhar é pouco, é entrar, rapaziada, é entrar, eis a maior zaragata de todos os tempos, resolvida numa só sessão sem comprar bilhete, sem cenários de cartão, sem trucagens, sem intervalo segue imediatamente, (…)»
O que diz Molero
foto de Augusto Cabrita



comentários de Pachecos sobre Machado









o do Luiz (sobre o Dinis):


«Uma cavalgada furiosa de episódios, uma feira, um tropel de gente, uma festa popular de malucos e malucas, tudo chalado, uma alegria enorme quase insensata, o “sintimento” nos momentos doloridos (…) mas tudo tão próximo de nós e tão naturalmente reproduzido na escrita.
Repito e finalizo: um livro-bomba, uma obra d’arromba»
in Diário Popular


o do Assis (sobre o Dinis):


«…a que se deve esta aparentemente súbita aventura criadora? Ao prazer da escrita, claro está; ao furor quase genesíaco diante da folha branca. À constatação de que o seu universo, o universo machadiano, não pode ser contado por outrem. Recuperar a infância? Pois evidentemente. Enumerar sítios, as gentes de eleição? Sem dúvida. Mas principalmente trata-se aqui da urgência de deixar um testemunho: fui assim, quis isto, amei o que digo ter amado; e só eu, Dinis Machado de nome, o poderia fazer. Nada explica o escritor. Se é que isto explica»
in R.D.P.


domingo, abril 19, 2009

O que Dinis molera




















Capa da 6ª edição, Bertrand, datada de 1978, da autoria de Saldanha Coutinho, embora pareça um desenho de José de Guimarães.

Agora há outra edição, da Quetzal, que se pode procurar aqui.

sábado, abril 18, 2009

Discurso de Alfredo Marceneiro a Gabriel García Marquez

Dinis Machado














clicar na imagem
para se ler




Um título que não é para todos, é preciso andar por aqueles lugares e ter irreverências surreais. É uma bonita edição, apenas com trinta páginas. Preciosas. A mancha é reduzida, como se pode ver pela imagem, o que acaba por dar uma maior intensidade ao texto. Vale a pena (re)ler Dinis Machado. Não obedece às questões da circunstância actual da escrita narrativa. Uma escrita urbana de certa Lisboa, com a abordagem poética que a cidade lhe merece. Que não está só, leia-se Nuno Bragança, sobretudo o de “A Noite e o Riso”, que é, de facto, o que fica para a história, ao lado de outras tentativas de mérito, mas menos intensas e mais despretensiosas, como Mário Zambujal, por exemplo.





















Ilustrações de Fátima Vaz
Ed. Livraria Bertrand
Novembro de 1984