segunda-feira, julho 18, 2005

autoclismos IV

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colagem de A. Ferra

A água é tramada



(ainda os autoclismos de inseridos no interior da parede.)

Depois que mudei de casa houve uma ruptura na canalização. Foi necessário substituir um tubo e o senhor Pedro G veio fazer esse trabalho de responsabilidade. Ele tinha mesmo um aparelho da “Bosh”, um detector de metal, para localizar o percurso dos canos. O Carlos - outro canalizador que eu conheci - não seria capaz de um trabalho desta envergadura, só no tempo do pai, canalizador também, ele poderia fazer executar tal tarefa, e como ajudante.
O senhor Pedro G, mostrou-se admirado de um autoclismo inserido na parede estar a funcionar tão bem. «É que estes avariam muito», dizia-me ele. Eu não lhe disse nada, mas ainda estava muito presente a mão habilidosa do Carlos que o tinha reparado de forma magnífica, havia quase dois meses. O senhor Pedro G., por sua vez, também me fez algumas revelações que merecem ser registadas. Se merecem credibilidade ou não, desconheço, mas fazem sentido: «o problema com estes autoclismos é a falta de peças, foram criados pela fábrica “Lusalite” que fechou depois do 25 de Abril». Aí é que parecia residir o problema das reparações, tarefa complicada. Só a capacidade do Carlos a inventar e adaptar peças pôde dar conta deste recado. E também um profundo “know how” sobre o funcionamento de certas coisas. Mas o senhor Pedro G., ainda que mais elaborado no seu ramo, também o tem, de outra maneira. Ele diz que consegue desactivar estes autoclismos, mantendo-os fixados na parede da casa de banho, usando moedas de vinte escudos das antigas, que ele conservou para isso, chegando mesmo a encontrar pessoas que lhas oferecem. «A moeda, juntamente com uma anilha, é que vai tapar o boiador» - as palavras são dele, e não as discuto. «Hoje podem também usar-se moedas de dois euros, mas claro, sai mais caro», dizia-me ele ainda.
Como pode ver-se, quando eu pensava que tinha esgotado a questão do mistério dos autoclismos inseridos na parede, surge esta nova achega. De facto as coisas são o que são, conforme as abordagens. Os olhares de Pedro são diferente e complementares dos olhares de Carlos. Mas, como dizia também um outro técnico de construção que veio ver a infiltração nesta casa, a água é tramada.
(Esta frase tinha já sido dita por outra pessoa que já mencionei nestes registos, um professor que se interessava por Harold Bloom e por problemas de canalização.) Mas uma coisa é dizer a água é tramada de ânimo leve - o que também não era o caso - , outra coisa é dizê-lo com um filosófico conhecimento de causa, num tom meditativo, reflectindo sobre um insondável mistério à volta da água. Este técnico de construção civil oscilava entre o sentido pragmático e o sentido filosófico, e parecia questionar a origem das coisas.
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Verdadeiramente, o mistério reside mais na água do que no autoclismo, podendo considerar-se a água uma estrutura profunda e o autoclismo uma estrutura de superfície, para utilizar, com alguma utilidade, o uso da terminologia da gramática generativa de Chomsky. Não é que me interesse particularmente esta abordagem gramatical da língua, não. O que posso é utilizar parte dessa abordagem para explicar apenas um assunto, pontualmente, sem tomar como absoluto, exclusivamente, um modelo de compreensão da realidade.
Porque os modelos constroem uma realidade, são mapas. Eu não posso dizer «a realidade não é assim», mas posso dizer o «teu modelo de compreensão da realidade é diferente do meu.»
Sei bem que não estou a ser original. De resto seria demasiado fácil e tentador referir-me à água em geral como um conteúdo latente, e à água que sai da ruptura do cano danificado (uma forma de protestar...) como conteúdo manifesto. Mas o modelo freudiano, aqui, de pouco ou nada me serve. (v. autoclismos I,II, e III, Junho)

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