segunda-feira, agosto 01, 2005

No Verão de Lisboa

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Agosto entrado, a Lisboa estaciona ao sol com toda a facilidade, quase sem ruído, a não ser o vento ligeiro da esplanada, ao fim da tarde, ou o vento importuno junto ao rio, no princípio da noite.
Água. Tampo de ferro verde escuro. Água.
Cadeira a condizer sobre o design da calçada. Graça interdita a quem não a conhece. Ao longo da caminhada pela tarde, um sussurro quase a medo ao telefone, móbil das palavras em registo aéreo. A rede sobre pedra escura queima, enquanto uma pessoa se distrai a olhar as casas velhas. Não são casas muito antigas, não, são apenas casas com história, cinquenta ou sessenta anos já fazem uma história, muitas com escada de serviço. Ou de salvação.
O Santos Ferreira, que é homem com cerca de setenta anos, caminha amparado numa bengala e numa artrose coxa da perna esquerda. É um homem alto, de aspecto robusto, de cabelo grisalho. Distinto ar de bons costumes. «Que tal vai a perna? Agora no Verão deve ir melhor...», atiro-lhe eu. «Vai na mesma, custa-me a andar...(pausa). Estou fodido!»
«Estamos todos fodidos», disse-lhe, para fechar o sketch. Ele riu-se, mais para dentro do que para fora.
O que mais me espantou foi a intensidade do desabafo. Não foi um lugar comum de uma expressão corrente. Ao Santos Ferreira, respeitável morador da zona, foi difícil escolher as palavras certas. Daí a pausa, o acumular de energia para depois disparar «estou fodido». Era ironia, era auto-ironia, e desespero. Era sobretudo a sensação do irremediável.
Porque as palavras multiplicam o seu valor num contexto que as ampare. Para além disso, são como roupagem de sentimentos. Às vezes, tal como a roupa, cobrem apenas uma parte do corpo e não têm nada a ver com a pessoa que as veste.
O calor deste Verão pede roupa solta.

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