terça-feira, dezembro 06, 2005

entre a forma e a função













(...)
E eu descia, reclamado pelo meu Príncipe, para admirar a nova máquina que nos tornaria a vida mais fácil, estabelecendo de um modo mais seguro o nosso domínio sobre a Substância. Durante os calores, que apertaram depois da Ascensão, ensaiá­mos esperançadamente, para refrescar as águas minerais, a Soda­-Water e os Medocs ligeiros, três geleiras, que se amontoaram na copa sucessivamente desprestigiadas. Com os morangos novos apareceu um instrumentozinho astuto, para lhes arrancar os pés, delicadamente. Depois recebemos outro, prodigioso, de prata e cristal, para remexer freneticamente as saladas; e, na primeira vez que o experimentei, todo o vinagre esparrinhou sobre os olhos do meu Príncipe, que fugiu aos uivos! Mas ele teimava... Nos actos mais elementares, para aliviar ou apressar o esforço, se socorria Jacinto da Dinâmica. E agora era por intervenção de uma máquina que abotoava as ceroulas. (...)

Eça de Queiroz, A Cidade e as Serras



- o problema não é a tecnologia, é o uso abusivo e desadequado da tecnologia
- o problema surge quando o aparelho não cumpre a função para que foi destinado
- ou quando deixa de funcionar. Porque a tecnologia é sempre imperfeita


“A Cidade e as Serras” é um romance que devia ser reabilitado. Já houve tentativas nesse sentido, mas a produção industrial da escrita tudo cilindra, como num blog os textos se cilindram de mês para mês, de semana a semana. E o que se julgava perene transforma-se em efémero.
Às vezes, as pessoas são como as máquinas, quando funcionam mal, devido ao seu uso desadequado. Uma ministra da cultura que fosse especialista em Eça podia salvar o Eça de modo mais eficaz do que o exercício do seu próprio ministério.

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