segunda-feira, novembro 14, 2005

Paris, geração perdida

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Hemingway, em Paris, com amigos da "lost generation"

Passo a escrito aquilo que o Sérgio me contou, exactamente, utilizando as suas palavras, tanto quanto possível. O Sérgio morreu em 1986, com sessenta e três anos, e pedia-me muitas vezes para eu escrever sobre ele. Decidi apresentar o texto na primeira pessoa, como se fosse ele a escrever.

Em Paris, no princípio dos anos sessenta, eu era ainda muito novo, tinha ouvido falar da guerra colonial e deixei-me ficar por lá. Não é todos os dias que se consegue ser fotógrafo da “Elle”, nem sei por que voltei. Se calhar foi para assistir ao vintecincodabril e deixá-lo registado nas fotografias dos grafitti de Lisboa, dos cravos enfiados nas espingardas. Quase esqueci aqueles que conheci, bem mais velhos do que eu, mas que ainda me faziam vibrar com a “geração perdida”. Quando voltei, trazia ainda na cabeça nomes como Anäis Nin, Henry Miller, nomes de uma geração perdida antes da minha. E eu, que, ao vivo, apenas consegui frequentar o atelier do Fernand Léger, o que nem sequer era difícil. Também só servia para folha de serviço. Quando voltei, quase às escondidas, comprei por cá as traduções brasileiras semi-proibidas do “Sexus”, “Nexus” e “Plexus”, do “Trópico de Câncer”, do “Trópico de Capricórnio”... foi por tudo isso que tantas vezes viajei nos livros para os lugares exóticos encontrados por Lawrence Durrel, do Cairo a Alexandria, até que limões amargos me chamassem à realidade.
Paris ainda está muito à superfície, os ontens entram pelos hojes dentro com uma força danada! Lembro-me muito bem que eu saía da Rue Le Goff e logo a seguir virava à esquerda, para depois atravessar o Boulevard S.Michel até caminhar à deriva pelo “Jardin du Luxembourg”. A Madame Régal, que me alugava um quarto, uma velhinha retocada em tintas e pó-de-arroz, pessoa de quase oitenta anos, olhava para mim por trás dos óculos sobre o nariz e, sempre de voz arrastada, dizia «j’aime le rouge...». E deitava um pouco de “Beaujolais” no copo. Às vezes contava-me, repetidamente e sem grandes pormenores, que tinha trabalhado para Gertrude Stein. O que é que ela teria feito? «Eh bien, j’aime le rouge...». Dizia-me, ainda, que se lembrava dos amores entre Gertrude Stein e Alice B. Toklas, tendo aprendido com esta última uma receita delirante de bolo de chocolate. Depois cantarolava «I love you, Alice B. Toklas...». Nunca mais aquela melodia desafinada me saiu dos ouvidos. E, de vez em quando disparava-me, deslocada de qualquer contexto, num inglês com sotaque parisiense, «iu arre olle a losst générachön», ou seja, «You are all a lost generation.» Mais tarde vim a saber que aquela fora a célebre frase da Gertrude Stein para o Hemingway, pelo menos é o que se diz, é o que ficou na história.

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