domingo, outubro 09, 2005

água


Ainda me lembro-me daquele homem perseguido que se queria refugiar nas montanhas vivas, qual guerrilheiro das palavras, e desatava a sobreviver daquilo que a natureza lhe dava. Contou-me – e eu registei – que ia asfixiando durante cerca de quatro meses, num país de sonho tropical, onde a falta de chuva o levara ao desespero durante algum tempo, embora soubesse que a respectiva época haveria de realizar-se. Até que uma noite, quase madrugada, ela desatou a cair como Deus a dava, com o peso daquelas mangueiradas naturais a entranharem-se na terra, a escorrerem de um poilão satisfeito, a regarem à bruta a bananeira plantada em frente da sua casa. Saiu porta fora e ali ficou a deixar que a água lhe atravessasse os ossos e lhe lavasse a alma de tanto esperar, de tanto desejar. (O desejo é um estado que inquieta e nos faz suspensos de qualquer coisa que há-de vir do céu, que é para onde olhamos quando queremos saber “para quê isto?”. Sabemos, então, que seremos dissolvidos na lama de arrasto, nas pedras, nas raízes das árvores que seguram a montanha onde os guerrilheiros lutam por uma libertação final e absoluta.)

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