terça-feira, abril 08, 2008

o funcionamentos de certas sátiras

A poesia satírica tem o seu tempo contado ou ainda está apenas a voar pelas partes maldizentes dos cancioneiros medievais? Quedou-se pelas circunstâncias das cousas de folgar e gentilezas, compiladas por Garcia de Resende, sorriu ainda em Camões, e depois? É certo que troçou ainda mais do Fidalgo Aprendiz, pela pena de Melo que aprendera com Mestre Gil. Com ele todos aprenderam, até a barroca sátira de Gregório Matos, brasileirando eros e pessoas, quase irmão do tempo de Camões e de Miranda.

No fundo todos se riam de si próprios.

Rimo-nos dos outros, daquelas pequenas partes que não aceitamos em nós e colocamos noutros corpos, noutras almas.

Aquelas eram sátiras dos tempos e dos tipos, dos gajos e gajas que se topavam à légua, bastava só nomeá-los.

A sátira demorou-se ainda mais em
Tolentino e serviu a Bocage para esparramar a sua rebeldia - alguma de fazer corar um libertino - no soneto e na glosa, para depois passar por Eça - que é mais prosa - e se junqueirar nos entretantos, até seguir O’Neill que inverte os prantos de certo Portugal cabisbaixo. Depois ficou-se por Natália, correia de transmissão dos costumes castigados e das pessoas – mesmo que deputados. Valeram-lhe os versos atrevidos, de jocosa risadilha, ainda que por vezes mal medidos. Fora disso, apenas certa mestria mostra o desdém pelos visados, quando a graça de Moura se mostra em versos apontados.

Agora o problema para satirizar é a escassez de tipos característicos, só porque as pessoas, as coisas e os automóveis sofrem da tendência para a padronização global, e lá se vai a identidade que tanta sátira gerou.


Mas a sátira vive do efémero e a pergunta é sempre a mesma: o que é que vai ficar?

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