quinta-feira, setembro 22, 2011

RUI LAGE: Um arraial de poesia num Portugal profundo













JÁ PASSOU A PROCISSÃO

Descamam as telhas sob o sol
punitivo, zunem fios de alta tensão,
a pele do empedrado tremeluz
(pois é lá que tudo ondula).

No pátio salivam mangueiras
de abraço constritor, a canícula
ferve cascas de melancia, brilham
botijas de gás no xisto mendicante.

Nas escadas alinhados
quais peças de artilharia,
um por degrau refulgem,
entre os versos,
os instrumentos da filarmónica.

No ouro da tuba cabe o reflexo
do velho cão de companhia,
a gata reluz tubular
na esguia prata do clarinete.

Depostas sobre a toalha
as boinas brasonadas
e de húmidos círculos estampado
o sovaco das camisas,
oponíveis polegares calejam
copos de tinto em formatura

e não te é dada permissão
para vestires blusa mais fresca,
não venha teu seio chamar-se
um figo sobre a mesa.

(Um Arraial Português, 2011)




Aqui está um funcionamento de certas sátiras que se oneilam para bem e ainda bem.

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