terça-feira, agosto 30, 2005

funcionamento da máquina de escrever

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Royal

Alavanca é o sistema, força contra força e bate na tecla,
salta letra salta, salta letra salta

minúscula bate na fita, grava no papel
a tinta preta da quase meia fita alta

sobe o teclado, bate a maiúscula e eleva-se a fita, grava no papel
a vermelha tinta da mais de meia fita baixa

à mão se avança o rolo:
toque na esquerda e a roda dentada volta o carreto
a um
a dois
a três espaços se roda o papel

e se engano houver
borrachas de máquina azuis e redondas de buraco no meio
ou novo papel cansado no rolo, cheio de medo que lhe troquem
as letras

(ou tudo de novo sem copy nem paste)

domingo, agosto 28, 2005

fim de verão

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tinta da china e café liofilizado Nestlé Gold

quinta-feira, agosto 25, 2005

prevenção de fogos

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Talvez seja interessante ver o Stan Laurel a fazer capa sem ser na dupla com o Oliver Hardy. Nesta caixinha dos anos cinquenta alerta-se para a qualidade não inflamável do filme. É que o celulóide era muito sensível ao fogo e os projectores aqueciam, sem que houvesse alta tecnologia de refrigeração.
Havia, de facto, preocupação com os incêndios.

carapau(zinhos) em azeite puro

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Esta contém “jaquinzinhos”. Como é proibida a sua enlatação, pode ler-se minor na embalagem. E se mais não fosse podia verificar-se que a lata tem dois centímetros de altura, em vez dos dois e meio do carapau ou da sardinha de outro calibre.
Vale a pena visitar a “Conserveira de Lisboa, Lda”. Faz-nos reflectir na fortaleza de certos comércios, pessoalizados.
Quanto vale o contacto com a humanização das trocas, com a pessoalização das embalagens?

(uma senhora idosa, continua sentada a uma mesa, embrulhando as mais diversas latinhas, carapau minor incluído.)

domingo, agosto 21, 2005

furar a terra



Para se obter água, faz-se um furo. Simples! Há empresas de furos. Em certos locais é necessário furar cento e cinquenta metros e mais para obter um lençol de água adequado.


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Enquanto os homens furam, vão injectando “lama gorda”, dizia-me um deles. A lama gorda, preparada nas oficinas da empresa, é uma lama densa cor de café com leite que, no seu retorno das profundezas do solo arrasta para fora a gravilha miúda. Lembra, de facto, gordura. À medida que vai saindo a gravilha, juntam-se as amostras para comparação.

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Contam-me que há locais onde um furo pode atingir oitocentos ou novecentos metros, como há pouco lhes aconteceu no Algarve. É obra! A terra é furada por tubos de ferro, divididos por secções de cerca de três metros que atarraxam uns nos outros, com os acrescentos necessários. Cada tubo tem doze centímetros de diâmetro, calculo eu. O motor da máquina de furar pode ter diversos consumos. Esta aqui gasta aproximadamente trinta litros de gasóleo por dia, mas há máquinas que podem gastar oitocentos litros. Não compreendo esta discrepância.

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O que se verifica é que a terra vai sendo furada e esventrada de toda a maneira para se obter energia. Esburaca-se para se obter petróleo que, por sua vez, alimenta a máquina que perfura o solo para se obter água. É uma viagem ao centro da terra que parece não ter fim.
Não sei como é possível continuar a esburacar a terra, que às vezes acaba por protestar, impondo as suas defesas naturais, embora sabendo que vai ser vencida pela tecnologia. É o que acontece quando a terra apresenta pedra dura durante a perfuração. Neste caso, é necessário uma sonda especial no interior do tubo perfurante.

Tudo isto até ao habemus aquam. Foi o que aconteceu, ao fim de cinco dias. Aos noventa e três metros de profundidade a água jorrava, a lama saía cada vez mais limpa, com um caudal correspondente a sete mil e trezentos metros cúbico por hora, cedendo as reservas, desafiando as secas.

sábado, agosto 20, 2005

a lâmpada que ilumina as histórias

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De vez enquando é preciso acender aquela lâmpada. E olhar.

sexta-feira, agosto 12, 2005

capicua















uma loja no Porto, na rua Santa Catarina

sorte

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A sorte é a realização de uma coisa boa, quando uma elevada percentagem de probabilidades aponta para que isso não aconteça. Segundo o Dicionário da Academia das Ciências, capicua vem do catalão capicua , de cap i cua ‘cabeça e cauda’. A capicua dá sorte, porque são pouquíssimas as probabilidades de nos aparecer um número que se leia de igual modo de frente para trás e de trás para a frente. Claro, quanto mais algarismos tiver um número, mais difícil é essa probabilidade acontecer, quer dizer, é mais fácil encontrar um 33 do que um 33333.
Eu tive sorte, tive muita sorte quando me saiu esse bilhete. Depois tive azar porque o perdi. Mas tive sorte novamente, porque o bom senso me levou a digitalizá-lo, num encontro fortuito entre a cabeça e a cauda.
Há coisas cujo funcionamento é perceptível, mas que, mesmo explicadas não se percebem lá muito bem...
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quarta-feira, agosto 10, 2005

a lata de atum em azeite puro

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A tradicional lata de sardinhas ou de atum vinha acompanhada de uma chave para abertura. A chave era em forma de um Y com as pontas unidas pelo mesmo metal. A base do Y tinha uma ranhura, uma fenda, onde entrava uma lingueta de folha que saía da tampa da lata. Depois a lingueta fixada permitia o enrolamento, como se alguém desse corda, e a lata ia abrindo. Se a lingueta não estivesse bem presa à fenda, era difícil reconstituir o processo de abertura.
Esta lata - na imagem - passou já a ter um processo de abertura “dito” fácil. Basta puxar cuidadosamente uma argola na parte de cima da caixa. No entanto, há que evitar que a patilha (argola) se quebre, antes de se começar o processo de abertura propriamente dito.
Esta é uma abordagem possível de uma lata de atum em azeite puro, "Thon en huile de’olive, Tuna fish in olive oil".

Outra abordagem poderia partir de uma interpretação da imagem do embrulho em papel: o aspecto agressivo do atum em relação à figurante enigmática, com ar asiático, representando provavelmente a “Tricana”.

segunda-feira, agosto 08, 2005

projecção



Às vezes a Mimi ficava triste, com um olhar distante…




outras vezes mostrava uma melancolia incomodativa, ninguém tinha paciência nem estado de alma para aturar aquelas poses estudadas




nem mesmo aquele ar de abandono e um certo desleixo na postura.


Por vezes, as pessoas, como as bonecas, servem para projectar sentimentos.

domingo, agosto 07, 2005

Os olhos azuis da Mimi

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Agora vou contar uma pequena história em meia dúzia de palavras: a minha prima Rosa tinha uma boneca chamada Mimi. Um dia quis abri-la e acabou por lhe tirar os dois olhos de vidro azuis, ligados entre si por um arame. Ela gostava da boneca, mas, talvez por isso, queria muito saber como ela era por dentro. Por fora já a conhecia bem. Um dia deu pela falta da boneca, deve tê-la deixado em qualquer lado, perdeu-a. Ficou triste, triste, porque mesmo que arranjasse outra, nunca seria como a sua Mimi dos olhos soltos. No entanto ficou com o par de olhos unidos por um araminho de dois centímentros. A Rosa, que agora já é avó, ainda hoje os guarda, pousados dentro de uma caixa de vidro que está exposta na sala, iluminada por uma lâmpada fraquinha. É que aqueles olhos azuis ainda lhe fazem companhia e ela continua a pensar que um dia a boneca pode aparecer.

segunda-feira, agosto 01, 2005

No Verão de Lisboa

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Agosto entrado, a Lisboa estaciona ao sol com toda a facilidade, quase sem ruído, a não ser o vento ligeiro da esplanada, ao fim da tarde, ou o vento importuno junto ao rio, no princípio da noite.
Água. Tampo de ferro verde escuro. Água.
Cadeira a condizer sobre o design da calçada. Graça interdita a quem não a conhece. Ao longo da caminhada pela tarde, um sussurro quase a medo ao telefone, móbil das palavras em registo aéreo. A rede sobre pedra escura queima, enquanto uma pessoa se distrai a olhar as casas velhas. Não são casas muito antigas, não, são apenas casas com história, cinquenta ou sessenta anos já fazem uma história, muitas com escada de serviço. Ou de salvação.
O Santos Ferreira, que é homem com cerca de setenta anos, caminha amparado numa bengala e numa artrose coxa da perna esquerda. É um homem alto, de aspecto robusto, de cabelo grisalho. Distinto ar de bons costumes. «Que tal vai a perna? Agora no Verão deve ir melhor...», atiro-lhe eu. «Vai na mesma, custa-me a andar...(pausa). Estou fodido!»
«Estamos todos fodidos», disse-lhe, para fechar o sketch. Ele riu-se, mais para dentro do que para fora.
O que mais me espantou foi a intensidade do desabafo. Não foi um lugar comum de uma expressão corrente. Ao Santos Ferreira, respeitável morador da zona, foi difícil escolher as palavras certas. Daí a pausa, o acumular de energia para depois disparar «estou fodido». Era ironia, era auto-ironia, e desespero. Era sobretudo a sensação do irremediável.
Porque as palavras multiplicam o seu valor num contexto que as ampare. Para além disso, são como roupagem de sentimentos. Às vezes, tal como a roupa, cobrem apenas uma parte do corpo e não têm nada a ver com a pessoa que as veste.
O calor deste Verão pede roupa solta.